Por que corrente oceânica mais forte do mundo está ameaçada

A remota e misteriosa corrente marítima da Antártida influencia profundamente o clima, o ecossistema e a cadeia alimentar do continente gelado. A remota e misteriosa corrente marítima da Antártida influencia profundamente o clima, o ecossistema e a cadeia alimentar do continente gelado.
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A Corrente Circumpolar Antártica é a corrente oceânica mais potente do planeta.
Ela gira em torno da Antártida, no sentido horário, e é cinco vezes mais forte que a Corrente do Golfo e mais de 100 vezes mais potente que o rio Amazonas.
A corrente faz parte da "correia transportadora" oceânica global, que conecta os oceanos Pacífico, Atlântico e Índico. Este sistema regula o clima da Terra e bombeia água, calor e nutrientes para todo o planeta.
Mas a água doce e fresca do derretimento do gelo da Antártida está diluindo a água salgada do oceano. E ela pode prejudicar esta corrente vital.
Nossas recentes pesquisas indicam que, devido ao aquecimento global, a Corrente Circumpolar Antártica ficará 20% mais lenta até 2050 – o que trará vastas consequências para a vida no planeta Terra.
A Corrente Circumpolar Antártica mantém a Antártida isolada dos demais oceanos globais.
T. Sohail (2025), Environmental Research Letters
Qual o motivo da preocupação?
A Corrente Circumpolar Antártica age como um fosso em volta do continente gelado. Ela ajuda a manter a água morna à distância, protegendo blocos de gelo vulneráveis.
Ela também age como barreira para espécies invasoras, como a alga-marrom, e animais que pegam carona na vegetação, espalhando as algas à medida que elas flutuam em direção ao continente. A corrente também desempenha papel importante na regulagem do clima do planeta.
Mas a Corrente Circumpolar Antártica não é muito bem estudada, ao contrário das correntes oceânicas mais famosas – como a Corrente do Golfo, na costa leste dos Estados Unidos; a corrente Kuroshio, perto do Japão; e a corrente das Agulhas, no litoral da África do Sul. Isso se deve, em parte, à sua localização remota, que dificulta muito a obtenção de medições diretas.
A influência das mudanças climáticas
As correntes oceânicas reagem às mudanças de temperatura, níveis de salinidade, padrões dos ventos e extensão do gelo marítimo. Por isso, a correia transportadora oceânica global é vulnerável de diversas formas às mudanças climáticas.
Pesquisas anteriores indicaram que uma parte vital dessa correia pode estar a caminho de um colapso catastrófico.
Teoricamente, o aquecimento das águas em torno da Antártida deveria acelerar a corrente. Isso ocorre porque as mudanças de densidade e dos ventos em torno do continente gelado determinam a sua potência.
A água morna é menos densa (ou pesada), o que deveria ser suficiente para acelerar a corrente oceânica. Mas as observações realizadas até aqui indicam que a força da corrente permaneceu relativamente estável ao longo das últimas décadas. E a estabilidade persiste, mesmo com o derretimento do gelo à sua volta.
Este fenômeno não havia sido totalmente explorado pelas discussões científicas no passado. Mas os avanços da elaboração de modelos oceânicos permitem investigar as possíveis mudanças futuras.
Os complexos ecossistemas da Antártida podem ser ameaçados por espécies invasoras
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Para estudar a Corrente Circumpolar Antártica, nós utilizamos o supercomputador e simulador climático mais rápido da Austrália, em Camberra.
Pesquisadores australianos de diversas universidades desenvolveram o modelo básico, chamado ACCESS-OM2-01, como parte do Consórcio de Modelagem do Gelo Oceânico na Austrália. Este modelo captura características que frequentemente passam despercebidas, como redemoinhos.
Por isso, esta é uma forma muito mais precisa de determinar as mudanças da força e do comportamento da corrente, com o aquecimento do planeta. Ele capta as delicadas interações entre o derretimento do gelo e a circulação oceânica.
Nesta projeção futura, a água doce, fria e derretida da Antártida migra para o norte, ocupando o oceano profundo enquanto se move.
Este processo traz mudanças importantes para a densidade estrutural do oceano. Ele neutraliza a influência do aquecimento oceânico, gerando redução final da velocidade da corrente de até 20% até 2050.
Vastas consequências
O enfraquecimento da Corrente Circumpolar Antártica traz consequências vastas e profundas.
A corrente principal faz circular águas ricas em nutrientes em torno da Antártida. Por isso, seu papel no ecossistema da região é fundamental.
O enfraquecimento da corrente poderá reduzir a biodiversidade e a produtividade da pesca, da qual dependem muitas comunidades litorâneas. E poderá também favorecer a entrada de espécies invasoras na Antártida, como a alga-marrom, prejudicando os ecossistemas e a cadeia alimentar local.
O enfraquecimento da corrente também pode permitir que a água morna penetre mais ao sul, acelerando o derretimento das placas de gelo da Antártida e contribuindo para o aumento global do nível do mar. E o derretimento mais rápido do gelo poderá enfraquecer ainda mais a corrente, dando início a um círculo vicioso de redução da sua velocidade.
Esta ruptura poderá se estender e atingir os padrões climáticos globais, reduzindo a capacidade do oceano de regular as mudanças climáticas, por meio da absorção do excesso de calor e carbono da atmosfera.
A necessidade de reduzir as emissões
Nossas conclusões apresentam um prognóstico sombrio para a Corrente Circumpolar Antártica. Mas este futuro não é predestinado. Esforços conjuntos para reduzir as emissões de gases do efeito estufa ainda podem limitar o derretimento em torno da Antártida.
A realização de estudos de longo prazo no Oceano Polar Antártico será fundamental para monitorar as mudanças com precisão.
Com ações internacionais proativas coordenadas, temos a possibilidade de combater e, possivelmente, impedir os efeitos das mudanças climáticas sobre os nossos oceanos.
* Taimoor Sohail é pesquisador em pós-doutorado da Faculdade de Geografia e Ciências da Terra e Atmosféricas da Universidade de Melbourne, na Austrália.
Bishakhdatta Gayen é pesquisador do Conselho Australiano de Pesquisa (ARC) e professor de engenharia mecânica da Universidade de Melbourne, na Austrália.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.
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